✔ Imóvel alugado adquirido em leilão: quais são os direitos do novo proprietário e do locatário?

Por Fabiano Barbosa – Assessor em Leilões de Imóveis

Uma das situações mais comuns no mercado imobiliário decorre da aquisição de imóveis alugados através de leilões judiciais ou extrajudiciais. Frequentemente surgem dúvidas quanto à continuidade ou extinção dos contratos de locação vigentes, exigindo uma análise das legislações aplicáveis: a Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) e a Lei nº 9.514/1997 (Lei da Alienação Fiduciária).

Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91)

A Lei nº 8.245/91 estabelece, no artigo 8º, regra geral segundo a qual, na hipótese de alienação do imóvel alugado durante a locação, poderá o adquirente denunciar o contrato e pedir a saída do locatário no prazo de 90 dias. Entretanto, há exceção expressa no mesmo artigo:

Se o contrato de locação possuir cláusula de vigência e estiver devidamente averbado na matrícula do imóvel, antes do registro da penhora ou outro ato de constrição judicial, o adquirente terá a obrigação de respeitar o contrato até seu término.
Referência doutrinária:

“Para que o adquirente seja obrigado a respeitar a locação existente é imprescindível que o contrato de locação esteja averbado no registro imobiliário, garantindo publicidade e eficácia perante terceiros” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2021, p. 437).

Referência jurisprudencial:

“A arrematação judicial de imóvel locado não obriga o arrematante a respeitar o contrato, salvo se houver prévio registro imobiliário do contrato de locação com cláusula de vigência” (TJSP, Apelação nº 1003012-89.2018.8.26.0007, Rel. Des. Walter Cesar Exner, j. 25/04/2019).

Lei da Alienação Fiduciária (Lei nº 9.514/97)

A Lei nº 9.514/97, que regulamenta a alienação fiduciária de imóveis, tem regra própria quanto à locação do imóvel objeto da garantia fiduciária, especialmente nos casos de execução extrajudicial.

Conforme seu artigo 27, §§ 3º e 7º, a consolidação da propriedade fiduciária extingue imediatamente quaisquer direitos reais ou pessoais sobre o imóvel, exceto os contratos de locação registrados na matrícula antes do registro da alienação fiduciária, e não antes da execução.

Portanto, a legislação específica prevê que, após a consolidação da propriedade fiduciária, todos os contratos de locação não averbados anteriormente à alienação fiduciária serão extintos imediatamente.

Referência doutrinária:

“Na alienação fiduciária, a consolidação da propriedade fiduciária é título suficiente para extinguir contratos de locação não previamente registrados, pois prevalece a segurança jurídica do credor fiduciário” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 5: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 496).

Referência jurisprudencial:

“O contrato de locação não averbado na matrícula antes da consolidação da propriedade fiduciária não vincula o adquirente fiduciário, inexistindo direito do locatário à permanência no imóvel” (STJ, AgInt no AREsp 1559371/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 12/05/2020).

Síntese Comparativa

a) Contrato não averbado:

Lei nº 8.245/91 (Inquilinato)Lei nº 9.514/97 (Alienação Fiduciária)
Contrato pode ser denunciado pelo adquirente, cabendo prazo de 90 dias para desocupação (Art. 8º).Contrato extingue-se automaticamente com a consolidação da propriedade fiduciária (Art. 27, §§ 3º e 7º).

b) Contrato averbado:

Lei nº 8.245/91 (Inquilinato)Lei nº 9.514/97 (Alienação Fiduciária)
O adquirente deve respeitar a vigência contratual até o final do prazo previsto no contrato (Art. 8º, §2º).A obrigação do adquirente fiduciário é respeitar somente contratos averbados antes do registro da alienação fiduciária. Contratos averbados após a constituição da garantia não vinculam o credor fiduciário após a consolidação (Art. 27, §§ 3º e 7º).

Principais conclusões

Para imóveis adquiridos em leilão judicial (execução civil comum), prevalece a regra da Lei nº 8.245/91: o novo proprietário só precisa respeitar contrato com cláusula de vigência e devidamente averbado antes da penhora.

Em imóveis adquiridos em procedimento de alienação fiduciária (leilão extrajudicial), a proteção ao adquirente fiduciário é mais rigorosa: a consolidação extingue quaisquer contratos de locação não previamente registrados à alienação fiduciária.

A diferença entre as duas legislações reside principalmente no momento e na exigência de averbação: enquanto a lei locatícia protege o contrato desde que registrado antes da penhora, a lei fiduciária exige a averbação prévia ao registro da própria garantia fiduciária.

Recomendações práticas

Em termos práticos, recomenda-se a potenciais arrematantes:

Sempre realizar análise prévia da matrícula imobiliária para verificar existência e datas das averbações de contratos de locação, especialmente em imóveis objeto de alienação fiduciária.

Para locatários, ressalta-se a importância da averbação do contrato de locação na matrícula do imóvel como medida de proteção jurídica eficaz frente a eventuais alienações ou arrematações.

Exemplos práticos da aplicação das leis nos casos de imóveis arrematados ocupados por locatários

Para melhor ilustrar a situação e entender o confronto entre a Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato) e a Lei nº 9.514/97 (Lei de Alienação Fiduciária), apresentaremos dois exemplos práticos bastante comuns no mercado imobiliário:

  1. Exemplo de imóvel adquirido em leilão judicial (execução civil comum)
    Situação:
    Maria adquiriu um apartamento por meio de leilão judicial promovido por uma Vara Cível, devido à dívida do antigo proprietário. O imóvel estava ocupado por João, que mantinha um contrato de locação por prazo determinado, porém não havia averbado o contrato na matrícula antes da penhora.

Aplicação da Lei nº 8.245/91:

Neste caso, Maria poderá exercer seu direito de denúncia do contrato, notificando João por escrito, dando-lhe o prazo legal de 90 dias para desocupação do imóvel. João terá que pagar aluguéis diretamente a Maria até a saída definitiva. Caso ele não desocupe o imóvel voluntariamente após esse prazo, Maria poderá ajuizar ação de despejo.

Referência jurisprudencial prática:

“Se o contrato de locação não estava registrado antes da penhora, inexiste obrigação do adquirente em respeitá-lo, podendo denunciá-lo conforme prevê a Lei nº 8.245/91” (TJSP, Apelação Cível nº 1033478-42.2020.8.26.0002, julgada em 2021).

  1. Exemplo de imóvel adquirido por alienação fiduciária (leilão extrajudicial)
    Situação:
    Carlos adquiriu uma casa em leilão extrajudicial de alienação fiduciária (Banco XYZ), já consolidada a propriedade fiduciária em nome do banco. O imóvel estava alugado para Marcos, que havia formalizado contrato por tempo determinado e devidamente averbado na matrícula, mas somente após o registro da alienação fiduciária.

Aplicação da Lei nº 9.514/97:

Neste caso, mesmo que Marcos tenha um contrato registrado, como a averbação ocorreu após a constituição da garantia fiduciária, ele perde o direito de permanecer no imóvel. O registro do contrato após a alienação fiduciária não vincula o novo adquirente, permitindo a Carlos exigir imediatamente a desocupação do imóvel.

Referência jurisprudencial prática:

“É necessária a averbação prévia do contrato de locação antes da alienação fiduciária para garantir ao locatário o direito de permanência após a consolidação da propriedade fiduciária” (STJ, AgInt no AREsp 1559371/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/05/2020).

Conclusão

A aquisição de imóveis alugados em leilões judiciais ou extrajudiciais traz implicações jurídicas relevantes tanto para o locatário quanto para o arrematante. É crucial conhecer e diferenciar claramente os direitos envolvidos, especialmente quanto à exigência da averbação dos contratos de locação na matrícula do imóvel. Como demonstrado nos exemplos práticos apresentados, o momento do registro imobiliário é determinante para definir quem tem direito à permanência no imóvel.

Para o novo proprietário, é essencial consultar a matrícula do imóvel antes da aquisição para evitar surpresas futuras. Por outro lado, ao locatário, é recomendável formalizar e registrar adequadamente o contrato locatício como forma de proteção jurídica. Portanto, uma atuação preventiva e informada assegura segurança jurídica e harmoniza as relações entre proprietários e locatários no âmbito dos leilões imobiliários.

Referências adicionais relevantes:

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2021.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2022.
STJ, AgInt no AREsp 1559371/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/05/2020.
TJSP, Apelação nº 1003012-89.2018.8.26.0007, Rel. Des. Walter Cesar Exner, julgado em 25/04/2019.

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